Desde quando suas primeiras imagens caíram na Internet em maio passado, o longa brasileiro "Do Começo ao Fim" tem despertado polêmica e paixão -- quase nas mesmas proporções -- embora o filme não tivesse sido exibido publicamente até meados de novembro, quando abriu o Festival Mix, em São Paulo. A razão: ter no centro de sua história o romance entre dois irmãos.
Depois disso, o longa de Aluizio Abranches ("Um Copo de Cólera", "As Três Marias") também causou perplexidade. Todos se fazendo praticamente a mesma pergunta: "Mas não tem nenhum conflito?". Não. A resposta é não.
"Do Começo ao Fim", é um filme sem questionamentos, praticamente um exercício para causar polêmica. A história, roteirizada pelo diretor, é sobre dois meio-irmãos, filhos da mesma mãe, mas de pais diferentes, que se apaixonam e se envolvem sexualmente.
Francisco e Thomás, interpretados por Lucas Cotrim e Gabriel Kaufmman, quando crianças, e João Gabriel Vasconcelos e Rafael Cardoso, quando adultos, cresceram muito próximos -- próximos até demais, como aponta o pai do mais velho (Jean-Pierre Noher, de "Estômago").
Julieta (Julia Lemmertz), a mãe, se dá conta disso, mas acredita ser algo normal, afinal, crianças podem ser muito próximas. A bem da verdade, na infância, o relacionamento retratado no filme não tem nada demais. Eles são dois irmãos, bastante íntimos, que se protegem mutuamente. Nada que não possa acontecer em qualquer família. A grande virada vem anos mais tarde, quando Julieta morre, e o pai de Thomás, Alexandre (Fábio Assunção), decide deixar os dois morando sozinhos.
Sem nenhuma crise moral, ou qualquer conflito interno, os dois tem uma longa noite de amor e passam a viver como namorados. Dos poucos personagens que cruzam a vida deles ao longo do filme, ninguém estranha esse relacionamento, ninguém questiona nada. Eliminados os únicos empecilhos -- o pai argentino e a mãe -- Francisco e Thomás podem viver um conto de fadas.
A premissa parece instigante, mas o desenvolvimento de "Do Começo ao Fim" é pouco satisfatório. Talvez Francisco e Thomás vivam num universo paralelo, regido por leis próprias, onde não há preconceitos, nem crises internas. Mas, certamente não estão no Brasil contemporâneo. Ao dispensar qualquer conflito, o longa se torna exercício de fetiche, na medida em que se resume a focalizar os corpos nus dos atores.
Aparentemente, o propósito de "Do Começo ao Fim" é não trazer à tona nenhum questionamento. Mas, ao optar por isso, o diretor cria um filme vazio de interesse. Fala-se de outras questões, como a solidão, mas isso é muito pouco para um filme que pretende mexer com dois tabus: incesto e homossexualidade.
Incesto, no cinema, causa polêmica, e já rendeu filmes interessantes, como "O Sopro no Coração" (1970), de Louis Malle, ou uma cena no brasileiro "A Festa da Menina Morta", de Matheus Nachtergaele, que fez alguns espectadores saírem no meio da sessão no Festival de Cannes, em 2008.
Aqui, no entanto, Abranches, tentando falar de escolhas e renúncias, faz um filme cheio de boas intenções que parece não querer ou não ter coragem de encarar de frente os assuntos que aborda. No fim, o resultado é uma crônica insípida em bela embalagem de um amor sem muita graça.
Vasconcelos e Cardoso, ambos estreantes em cinema, são esforçados, mas têm de lidar com as limitações do roteiro. Os personagens não têm nuances, que os transformariam em mais humanos e interessantes aos olhos do público. É muito estranho pensar em dois irmãos mantendo relações sexuais e nunca se perguntarem sobre isso.
Se, em algum momento da vida o fizeram, o filme não mostra. Morassem num lugar isolado, sem nenhum contato com outras pessoas, talvez fosse possível supor essa possibilidade. Mas eles moram no Rio de Janeiro, são ricos e um deles é médico, inclusive. Portanto, parece implausível.
Ficha Técnica:
* título original:Do Começo ao Fim
* gênero:Drama
* duração:01 hs 30 min
* ano de lançamento:2009
* site oficial:http://www.docomecoaofim.com.br
* estúdio:Pequena Central
* distribuidora:Downtown Filmes / Riofilme
* direção: Aluizio Abranches
* roteiro:Aluizio Abranches
* produção:Marco Nanini e Fernando Libonati
* música:
* fotografia:Ueli Steiger
* direção de arte:Bruno Testore Schmidt
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