quinta-feira, 8 de abril de 2010

Trade Marketing: De onde veio e para onde vai


No Brasil, até meados da década de 90, uma parte dos comerciantes pensava e funcionava como estoquista e especulador, ganhando dinheiro da noite para o dia, com preços chegando a variar 2% por noite.



O motivo disso era que a hiperinflação exigia dos empresários um foco permanente na identificação de oportunidades de compra, nas negociações de prazo e até mesmo no timing da entrada da mercadoria na loja.

Alguns produtos de giro rápido, por exemplo, comprados com prazo de 30 dias para pagar, podiam ser vendidos (e eram) abaixo do preço de nota fiscal. A aplicação financeira rendia muito e os fornecedores desses itens terminavam subsidiando (involuntariamente) o varejo.

Toda a preocupação dos varejistas estava na compra, sobrando pouco tempo para pensar no cliente. Estratégia de preço como parte do merchandising? Impossível sequer pensar nisso. A velocidade dos reajustes de preço tornava qualquer gestão estratégica de chão de loja um exercício irrelevante.

O maior vendedor do varejo era o tempo, qualquer preço parecia ótimo com o passar de alguns dias. A partir de 1995, com a hiperinflação eliminada no Brasil, os preços dos produtos começaram a se fixar na cabeça dos consumidores.

As flutuações de preço se reduziram e os centavos começaram a fazer diferença na decisão de compra no ponto-de-venda. A inflação parou de trabalhar para os comerciantes e as margens reais (agora reduzidas) de venda começaram a merecer alguma preocupação.

Foi nessa época que começou, muito lentamente, a importação de conceitos e práticas de Trade Marketing em nosso país. Não aconteceu, todavia, um crescimento equilibrado dessa área de conhecimento por vários motivos, sendo o principal deles o baixo grau de profissionalização no varejo.

Além disso, a implantação de sistemas de informação que possam gerar business intelligence de fato aproveitável no varejo ainda é hoje um projeto (ou um sonho) na maioria das empresas.

A interação entre indústria e varejo no Brasil ainda é um exercício baseado em poder — ou O trabalho da Coca-Cola era provar que o giro de seus produtos e sua contribuição para o tráfego das lojas justificava a manutenção do espaçodemonstração de poder. Pouco uso se faz de informações colhidas pelos sistemas de controle do chão de loja.

Nos Estados Unidos, em 1996, pude testemunhar uma série de negociações entre a Coca-Cola Enterprises e uma grande cadeia de supermercados em torno de alguns centímetros (2 feet) de gôndola.

Segundo a versão da cadeia de lojas, os produtos da empresa não precisavam de todo o espaço que lhes era alocado nas gôndolas de todo o país. O trabalho da Coca-Cola era provar que o giro de seus produtos e sua contribuição para o tráfego das lojas justificava a manutenção do espaço. Essas negociações eram elegantes e profissionais, sempre escoltadas por bateladas de dados e gráficos de ambos os lados.

Infelizmente, no Brasil de 2010, ainda inexiste, na maior parte do varejo, uma cultura de negociação baseada em informação, até porque falta informação. Pior, alguns executivos operacionais de varejo ainda se comportam como compradores pré-1995.

Aos poucos, lentamente, isso vai mudar. Na medida em que os sistemas de informação e a capacidade analítico/estratégica dos executivos de varejo evoluírem, algumas conclusões fatalmente emergirão.

Por exemplo, as decisões de lançar “marca própria” de qualquer produto serão avaliadas dentro de projetos estratégicos, suportados por números de budget e indicadores que antecipem de fato se aquela marca própria vai trazer (ou tem a probabilidade de trazer) mais dinheiro por metro quadrado de gôndola em cada loja onde ela vai entrar.

Esses projetos estratégicos deverão indicar ainda qual será a marca “não própria” a ser alijada da gôndola, qual será a “canibalização” provável das marcas remanescentes e assim por diante.

Com todas essas informações (posteriormente validadas) é possível que uma decisão de lançar marca própria seja substituída por uma boa negociação de joint venture com algum fabricante.

Evoluindo nessa linha de colaboração empresarial que constitui o melhor espírito do Trade Marketing, não é difícil antever parcerias (produto e serviço) que contribuam para aperfeiçoar a própria estratégia de categoria do varejista.

Os frutos resultantes serão colhidos por todos, incluindo os consumidores, que ganharão tempo ao fazer sua melhor escolha na gôndola dentre itens cujo diferencial de valor seja mais visível. Esse ganho de tempo e de satisfação vai gerar fidelidade ao ponto de venda, representando um belo ciclo virtuoso.



* Ageu Barros é professor da Trevisan Escola de Negócios e diretor do IPGE - Instituto Paulista de Gestão Estratégica.

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